Senjiro já matou vários guerreiros em combate, mas nunca
daquele jeito, e o que se revelou o deixou bastante surpreso. Seu oponente era
um bom esgrimista, tão bom quanto ele, o que tornou a disputa bastante acirrada.
O final da luta, quando se trata de embates desta natureza, sempre é a morte.
Não foi um golpe de sorte, mas a única alternativa. O oponente atacou, Senjiro
deu um passo para trás e tropeçou. Num átimo, o adversário percebeu o
desequilíbrio e golpeou com violência, trazendo sua espada de cima para baixo
em direção ao corpo do samurai, que, com reflexo impressionante, girou o tronco
no ar e contra-atacou em um movimento de gancho, decepando a cabeça do inimigo.
O inusitado ocorreu nesta hora. De uma forma que não
compreendeu, viu passar em sua frente toda a vida do adversário. Em instantes,
conheceu e absorveu sua história e treinamento. Foi como se tivesse recebido,
como troféu, a alma de seu oponente. A experiência o deixou ligeiramente
perturbado, mas o calor da batalha não permitiu ao guerreiro maiores reflexões.
Ainda naquela tarde teve mais dois enfrentamentos, vencidos com facilidade, mas
da maneira convencional. Ao anoitecer recolheram os mortos e as armas e
voltaram ao acampamento, onde descansariam para os próximos combates.
No dia seguinte saíram cedo para o campo de batalha, uma
névoa fina parecia deixar todos os movimentos mais lentos. Um silêncio pesado
dominava a floresta. Senjiro Matamoto e seus companheiros marchavam dispersos,
sem contato visual. Súbito, um inimigo pula de uma árvore sobre ele, que apara
o ataque levantando a espada acima da cabeça. Sem titubear, gira o corpo da
esquerda à direita, levando o braço na direção do inimigo, que se aprontava
para novo golpe. E o inesperado, mais uma vez, acontece. Outra cabeça que voa,
mais uma alma que absorve. Talvez pelo silêncio, talvez pela névoa, desta vez ponderou
sobre a responsabilidade de tornar-se detentor de uma alma tão poderosa. Contudo,
o fato o deixou mais sereno e consciente de suas habilidades. Ainda no mesmo
dia, entre várias baixas infligidas ao inimigo, teve oportunidade de cortar
mais duas cabeças. Desta vez de forma objetiva, pois seus golpes foram
desferidos com esta intenção.
Foi bastante festejado por seus companheiros e elogiado pelos
superiores. Em outras circunstâncias, e tinha plena noção disso, tamanha
bajulação o teria afetado. Mesmo tendo feito por merecer, permaneceu tranquilo,
sem demonstrar qualquer atitude de soberba. Era um guerreiro, fazia o que
precisava que ser feito, nada mais do que isto. Descansaram alguns dias e
partiram para as montanhas, onde se defrontariam com a casa Yoshibawa, tida
como das mais fortes. Sabia que não teriam lutas fáceis, que deveria ser
pragmático e não pensar nas almas de seus oponentes. A ação é mais importante
que a emoção. Seguiram seu caminho sem pressa, sabendo que toda reserva de
energia seria necessária. O encontro com o adversário se deu sob o forte sol do
meio-dia. As duas facções se viram frente a frente e partiram para a batalha.
Como previsto, foi uma luta equilibrada. Logo em seu primeiro embate, defrontou-se
com um jovem guerreiro muito hábil, que recém havia liquidado um de seus
companheiros. Trocaram golpes estudados, buscando, cada um, encontrar uma
brecha que permitisse o ataque derradeiro. Seu oponente era esperto e o levou a
ficar de costas para uma parede de pedra, o que lhe restringia as
possibilidades de movimento. Tinha que raciocinar rápido para escapar daquela
limitação. Aproximou-se ainda mais da parede e ofereceu seu flanco para um
golpe, que veio imediatamente. O cálculo foi acertado. Com rápida esquiva a
espada do jovem inimigo atingiu a pedra, ficando trancada em uma fenda.
Senjiro, prontamente, golpeou o seu braço, mas errou. Apenas acertou a espada
do inimigo, que se partiu.
Mal se reposicionou, percebeu que o adversário tinha uma
adaga em sua mão. Seria uma luta diferente, em que o jovem buscaria o corpo a
corpo para fugir dos golpes longos da espada. Uma estratégia arriscada e que
não deu certo. Em sua primeira investida, visando a garganta de Senjiro, recebeu
contragolpe fulminante. O samurai dá um passo para trás e se ajoelha. Durante o
movimento gira a espada sobre a cabeça e a coloca alinhada ao corpo, em seu
lado direito, como se estivesse com o braço aberto. Mais uma cabeça que rola. O
corpo ainda teve um pequeno movimento, como se fosse autômato, e a alma veio,
mas não como das outras ocasiões. Apesar da luz do sol, viu com clareza de
detalhes, e isso o afetou profundamente. E o que enxergou de diferente naquele
instante foi uma mulher. Nunca tinha visto ou escutado a respeito. Sempre
pensou que a guerra fosse uma arte masculina, jamais se imaginou atacando uma
mulher, por mais valente e habilidosa que pudesse ser, como de fato era. Caiu prostrado
de joelhos, largando a espada sobre o chão. Nem percebeu o golpe que lhe arrancou
a cabeça.