Quando chega o inverno Ramiro se
desespera. Os dias frios e cinzentos, o excesso de umidade, as poucas horas de
luz; tudo contribui para tentar diminuir seu ânimo. Todavia, o inverno e seus
efeitos colaterais nada mais significariam para ele do que uma mera passagem do
tempo, não fossem os filocladenos das cauchoranas.
Antes não tinha do que se queixar.
Seguia a rotina sem quaisquer problemas. Acordava cedo, preparava o chimarrão
e, depois de uns três ou quatro amargos, seguia para a lida. As tarefas diárias
como peão de estância eram bastante simples: limpar e cuidar da bicharada e
fazer o mesmo com as plantas do jardim do patrão. Até aí nada de complicado, eram
serviços que fazia com rapidez e esmero; com uma mão amarrada nas costas, como
se dizia. E assim foi até o dia em que o patrão resolveu trazer do estrangeiro
uns bichos muito estranhos, que até achou bonitos, mas não tinham,
aparentemente, qualquer serventia: as cauchoranas. Quando chegaram foi uma
grande sensação.
Ramiro nunca tinha visto um daqueles,
de fato, sequer supunha a sua existência. Têm o tamanho aproximado de um pônei,
porém de patas mais finas e compridas. Na maior parte do tempo são quadrúpedes,
mas ficam sobre as patas traseiras, quando necessário ou quando bem entendem,
vá saber, como se fossem cangurus. Os machos diferem das fêmeas em alguns
aspectos. O mais óbvio em relação à genitália, neste caso, semelhante aos
cavalos. Sendo que o pênis da cauchorana é grotescamente maior que o de um
garanhão, enquanto que a fêmea, por sua vez, tem quatro tetas. Outro aspecto é
o rabo, que no macho é de pelos longos e coloridos e, na fêmea, pelado. O corpo
também lembra o dos cavalos, porém mais cilíndrico, como uma salsicha bock
gigante, e de pelagem macia e variada. Esta, por sinal, é diversificada como a
dos cavalos, porém com mais alternância de cores. A cara também lembra a dos
cavalos, só que mais acarneirada e de olhar sorumbático. As orelhas são
compridas como a dos burros e, na testa, os machos têm um buraco descarnado e
fundo, enquanto as fêmeas têm dois, igualmente feios. Perguntou ao capataz por
que os bichos tinham aqueles buracos e recebeu como resposta que era por causa
dos filocladenos, e que precisava ser assim. Não entendeu a explicação, mas ficou
com pena dos bichos só de ver aqueles olhos tristes.
As cauchoranas, apesar de tamanho
inferior ao dos cavalos, comem muito mais, principalmente no outono e no
inverno, quando se reproduzem. Nesta época se alimentam três vezes mais que nas
outras estações para dar conta de seu apetite sexual. Na primavera Ramiro entendeu,
finalmente, o que são os filocladenos e por que importaram as cauchoranas. Nasceu
a primeira geração de filhotes na estância, pequenas cauchoranas desengonçadas.
Desenvolviam-se rapidamente, um pouco antes do verão os filocladenos cresciam
em suas testas. Lindo de ver, parecido com marfim, embora seja uma guampa, mas
de brilhos que variam do verde ao rosa, resultado de pequenos veios coloridos
que cobrem a superfície dos chifres. No final do outono as cauchoranas já eram
adultas e teriam suas aspas arrancadas. Caso esperassem mais, o chifre ficaria
cinzento e sem brilho. Não entendeu por que tirar o chifre de um bicho manso,
mas o capataz explicou que o patrão os venderia por uma fortuna para uns países
da Ásia, onde são considerados afrodisíacos. Ramiro, mesmo sem saber o que era
afrodisíaco, entendeu a parte em que o patrão ganhava uma fortuna.
Eram necessários quatro homens para
aparar as guampas, três somente para segurar o bicho. Nunca tinha visto um animal
sentir dor por tirar guampa, mas aqueles sentiam muita, e em seguida ficavam
com os olhos tristes. Aquela noite foi inesquecível, a peonada mal conseguiu dormir.
As cauchoranas gemeram sem parar e continuaram assim por mais algumas semanas.
Os dias mais curtos e a chuva trouxeram o inverno de volta. Frio, mais chuva,
os bichos gemendo, mesmo Ramiro, acostumado na lida campeira, sentia um
desconforto que não sabia explicar. Era um trabalho sem nenhuma satisfação. Até
os cavalos, companheiros na lida diária, andavam estranhos, irritadiços e
corcoveantes, derrubavam os cavaleiros por qualquer comando mais ríspido. No
auge do inverno as cauchoranas silenciaram ao mesmo tempo em que já vinham se
alimentando como loucos. Logo em seguida começaram os machos a pular sobre as
patas traseiras, correndo atrás das fêmeas, para sossegar somente na primavera.
Depois de cinco invernos Ramiro
mudou-se para longe da fronteira. Comprou uma pequena gleba na serra, onde mora
e tem uma roça. Gastou o resto das economias na compra de um trator usado, não
queria um animal nem mesmo para montar. Enquanto não consegue tirar o sustento
do trabalho na terra, arrumou serviço numa indústria das redondezas. Acorda
cedo, prepara o chimarrão e, depois de uns três ou quatro amargos, vai para a
avícola. Luva de borracha numa mão, cutelo na outra, passa o dia como um
autômato, cortando pescoços de galinhas.
Confesso que tive que fazer uma consulta no google para saber o que é filocladenos e cauchoranas.
ResponderExcluirO significado original não tem nada a ver com o que dei no texto.
ResponderExcluirNão sei de onde tu tira essas idéias. Animais com nomes de plantas...Muito bom o texto. Tragicômico , como tu gosta de escrever.
ResponderExcluirFantastico..!!!!!
ResponderExcluirFantastico..!!!!!
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