domingo, 7 de julho de 2013

Filocladenos


Quando chega o inverno Ramiro se desespera. Os dias frios e cinzentos, o excesso de umidade, as poucas horas de luz; tudo contribui para tentar diminuir seu ânimo. Todavia, o inverno e seus efeitos colaterais nada mais significariam para ele do que uma mera passagem do tempo, não fossem os filocladenos das cauchoranas.
Antes não tinha do que se queixar. Seguia a rotina sem quaisquer problemas. Acordava cedo, preparava o chimarrão e, depois de uns três ou quatro amargos, seguia para a lida. As tarefas diárias como peão de estância eram bastante simples: limpar e cuidar da bicharada e fazer o mesmo com as plantas do jardim do patrão. Até aí nada de complicado, eram serviços que fazia com rapidez e esmero; com uma mão amarrada nas costas, como se dizia. E assim foi até o dia em que o patrão resolveu trazer do estrangeiro uns bichos muito estranhos, que até achou bonitos, mas não tinham, aparentemente, qualquer serventia: as cauchoranas. Quando chegaram foi uma grande sensação.
Ramiro nunca tinha visto um daqueles, de fato, sequer supunha a sua existência. Têm o tamanho aproximado de um pônei, porém de patas mais finas e compridas. Na maior parte do tempo são quadrúpedes, mas ficam sobre as patas traseiras, quando necessário ou quando bem entendem, vá saber, como se fossem cangurus. Os machos diferem das fêmeas em alguns aspectos. O mais óbvio em relação à genitália, neste caso, semelhante aos cavalos. Sendo que o pênis da cauchorana é grotescamente maior que o de um garanhão, enquanto que a fêmea, por sua vez, tem quatro tetas. Outro aspecto é o rabo, que no macho é de pelos longos e coloridos e, na fêmea, pelado. O corpo também lembra o dos cavalos, porém mais cilíndrico, como uma salsicha bock gigante, e de pelagem macia e variada. Esta, por sinal, é diversificada como a dos cavalos, porém com mais alternância de cores. A cara também lembra a dos cavalos, só que mais acarneirada e de olhar sorumbático. As orelhas são compridas como a dos burros e, na testa, os machos têm um buraco descarnado e fundo, enquanto as fêmeas têm dois, igualmente feios. Perguntou ao capataz por que os bichos tinham aqueles buracos e recebeu como resposta que era por causa dos filocladenos, e que precisava ser assim. Não entendeu a explicação, mas ficou com pena dos bichos só de ver aqueles olhos tristes.
As cauchoranas, apesar de tamanho inferior ao dos cavalos, comem muito mais, principalmente no outono e no inverno, quando se reproduzem. Nesta época se alimentam três vezes mais que nas outras estações para dar conta de seu apetite sexual. Na primavera Ramiro entendeu, finalmente, o que são os filocladenos e por que importaram as cauchoranas. Nasceu a primeira geração de filhotes na estância, pequenas cauchoranas desengonçadas. Desenvolviam-se rapidamente, um pouco antes do verão os filocladenos cresciam em suas testas. Lindo de ver, parecido com marfim, embora seja uma guampa, mas de brilhos que variam do verde ao rosa, resultado de pequenos veios coloridos que cobrem a superfície dos chifres. No final do outono as cauchoranas já eram adultas e teriam suas aspas arrancadas. Caso esperassem mais, o chifre ficaria cinzento e sem brilho. Não entendeu por que tirar o chifre de um bicho manso, mas o capataz explicou que o patrão os venderia por uma fortuna para uns países da Ásia, onde são considerados afrodisíacos. Ramiro, mesmo sem saber o que era afrodisíaco, entendeu a parte em que o patrão ganhava uma fortuna.
Eram necessários quatro homens para aparar as guampas, três somente para segurar o bicho. Nunca tinha visto um animal sentir dor por tirar guampa, mas aqueles sentiam muita, e em seguida ficavam com os olhos tristes. Aquela noite foi inesquecível, a peonada mal conseguiu dormir. As cauchoranas gemeram sem parar e continuaram assim por mais algumas semanas. Os dias mais curtos e a chuva trouxeram o inverno de volta. Frio, mais chuva, os bichos gemendo, mesmo Ramiro, acostumado na lida campeira, sentia um desconforto que não sabia explicar. Era um trabalho sem nenhuma satisfação. Até os cavalos, companheiros na lida diária, andavam estranhos, irritadiços e corcoveantes, derrubavam os cavaleiros por qualquer comando mais ríspido. No auge do inverno as cauchoranas silenciaram ao mesmo tempo em que já vinham se alimentando como loucos. Logo em seguida começaram os machos a pular sobre as patas traseiras, correndo atrás das fêmeas, para sossegar somente na primavera.

Depois de cinco invernos Ramiro mudou-se para longe da fronteira. Comprou uma pequena gleba na serra, onde mora e tem uma roça. Gastou o resto das economias na compra de um trator usado, não queria um animal nem mesmo para montar. Enquanto não consegue tirar o sustento do trabalho na terra, arrumou serviço numa indústria das redondezas. Acorda cedo, prepara o chimarrão e, depois de uns três ou quatro amargos, vai para a avícola. Luva de borracha numa mão, cutelo na outra, passa o dia como um autômato, cortando pescoços de galinhas.

5 comentários:

  1. Confesso que tive que fazer uma consulta no google para saber o que é filocladenos e cauchoranas.

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  2. O significado original não tem nada a ver com o que dei no texto.

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  3. Não sei de onde tu tira essas idéias. Animais com nomes de plantas...Muito bom o texto. Tragicômico , como tu gosta de escrever.

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