O furgão trafega em alta velocidade, atrasado para uma
entrega de duzentas caixas, a última do dia. Motorista e carregador preocupados,
a demora não foi sua culpa, mas sabem que a bronca cairá neles. Faltam oito
minutos. Os times se alternam no placar e os ânimos estão exaltados. Pressão
sobre os árbitros. Tudo se encaminha para uma decisão nos segundos finais.
Cinco minutos. Próximo a uma favela o asfalto é irregular e o trânsito intenso.
A grande quantidade de gente circulando aumenta a insegurança do lugar.
Crianças sem pátios brincam pelas calçadas. No cruzamento da avenida, a
sinaleira muda para o amarelo. O furgão acelera para atravessar o sinal. Na
transversal, um caminhão-caçamba aumenta a velocidade quando percebe o sinal
passando para o verde. Com o choque, o furgão é arremessado contra um poste na
diagonal oposta. Os vidros se quebram com o impacto, a porta da câmara
frigorífica se escancara. Mães aflitas correm a conferir seus filhos que
brincavam soltos na rua. Tumulto. Menos de um minuto. A partida empatada e o
time azul tem dois lances-livres a seu favor. O jogador bate a bola no chão
duas vezes, respira fundo, flexiona os joelhos, arremessa. A bola bate na ponta
do aro, gira no ar, rebate na tabela e cai para o lado. Onze segundos. O furgão
está rodeado pelos moradores da vila, em torno de cinquenta pessoas ou mais.
Xingam o motorista imprudente, gritam. Cercam o furgão, de olho na carne que está
ali, debaixo de seus narizes. O motorista conversa com os agentes de trânsito,
pressente o perigo, solicita ajuda policial. Os agentes querem liberar o
tráfego, mas com o povo em volta é impossível. Acionam a Brigada Militar. O jogador
respira fundo, olha para o aro, respira de novo. A flexão dos joelhos é
mecânica, o arremesso é suave, direto para a rede. Um ponto de vantagem. Fundo
bola para o time amarelo, cronômetro correndo. O armador tem uma quadra inteira
para atravessar. Dez segundos. Só era preciso que houvesse um primeiro.
Empurrou o motorista, agarrou duas caixas e saiu correndo. Os demais avançam
como uma locomotiva, pegando os volumes conforme o seu tamanho permite, dois,
três, os mais fortes com quatro. Motorista e carregador chegam a esboçar uma
reação, mas percebem ser inútil. Apenas ficam acompanhando. Oito segundos. O armador
do time amarelo vem batendo a bola com velocidade. Na cabeça do garrafão para o
drible. A marcação relaxa por um instante. Ele arranca novamente e entra na
bandeja. Cinco segundos. Duas viaturas atendem ao chamado da central. Ligam
suas sirenes e disparam para o local do acidente. Quatro segundos. Carrega a
bola em sua mão direita. A defesa acompanha o movimento. A bola é trocada de
mão e o corpo muda de rumo. A defesa tenta se recompor. Traz a bola novamente
para a mão direita e a arremessa num meio gancho contra a tabela. O barulho no
ginásio é grande, o juiz apita, a mesa toca a sirene de final de jogo enquanto
a bola continua rodando no aro. Dá três voltas e não entra. O juiz do fundo corre
apitando em direção à mesa, o outro em direção à linha do lance-livre. Falta,
dois lances. Cronômetro zerado. Da mesma forma que vieram, foram-se todos,
deixando apenas o furgão depenado. O motorista e o carregador sentam-se no meio-fio,
olhos vidrados, o susto custa a passar. Lembram que ainda não entraram em
contato com o frigorífico. Os agentes de trânsito, como se nada tivesse
acontecido, dirigem-se ao caminhão-caçamba para falar com o seu motorista. Pega
a bola para o primeiro lance-livre, respira, cochicha para ela e arremessa.
Jogo empatado. Os brigadianos chegam com estardalhaço, armas em punho, mas só
conseguem arrancar sorrisos disfarçados de alguns curiosos que se encontram nas
imediações. O armador se prepara para o segundo arremesso. Segue o mesmo
ritual, respira fundo, cochicha alguma coisa para a bola e arremessa. A noite
vai ser de festa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário