quinta-feira, 28 de abril de 2011

A porta

Está aberta agora, e antes nem sei por onde andava. Ainda ontem quando a deixei, estava parada no hall de entrada, e hoje apareceu ao lado da janela da sala, como se ali estivesse para conversar. Aproveito para sair furtivamente, antes que ela se dê por conta e desapareça outra vez. Meus amigos não me levam muito a sério, pensam que estou tirando sarro da cara deles, inventando maneiras para fazê-los de bobos. Não acreditam em mim quando digo que as coisas de casa têm vida própria. Não tem importância, vim aqui só para comer e beber alguma coisa, pois não achei a geladeira. Eles que se fodam.
Hoje não a encontrei, só achei a que leva até o banheiro, onde acabei passando a noite. O telefone já foi uma dificuldade. A minha namorada está esperando, expliquei que me atrasaria, que estava tudo desarrumado. Já bastava ter passado a noite deitado no chão, o pescoço ainda está um pouco duro. O jeito é escapar pela janela mesmo. Aproveito para comer alguma coisa, a geladeira estava lá, mas não quis se abrir. Minha mulher está nervosa, não sei se é comigo, nem entendo bem o que ela está dizendo, e grita e chora também. Meus amigos não sei onde andam. Restaurante estranho este, não tem mesas e os garçons passam sem me olhar, por mais que os chame.
Acordo pensando o que estou fazendo neste banheiro. O telefone está tocando, já o procurei em todos os lugares possíveis. O problema é que em determinados quartos já não consigo entrar. Enxergo a rua de algumas janelas, mas quando me aproximo, elas já mudaram de lugar. Até mesmo elas estão me evitando. Será que era a minha mãe no telefone?
Já estava ruim sem poder sair de casa, agora ficou pior aqui neste quarto. De vez em quando, se estou bem quieto, aparece uma janela no teto. Não é sempre, ontem só ouvi o barulho da chuva, nem sei mais como é. Já não sinto tanta saudade de fora, só me incomodo com o barulho das portas batendo.

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